Como seria este texto sobre a amizade, se fosse escrito hoje, dezoito anos depois?
O tempo passa e não se detém no dia de hoje, não nos espera.
E quanto mais ele passa, quanto mais velhas nos tornamos, mais rápido ele caminha. Mas ele também traz presentes, que nos são generosamente oferecidos, se soubermos prestar atenção.
Quando eu achava que tudo o que me restava era apenas a esperança de um jamais e as lembranças que ficaram dos sonhos que deixei e das pessoas que amei, a vida me ensinou que ela sempre vale à pena. Que o amor sempre pode florescer outra vez, e que novas lembranças se tecem todos os dias.
A vida se constrói a cada momento, aquilo que somos se constrói a cada escolha que fazemos. As escolhas que fiz, muitas delas duras e dolorosas, me levaram a encontrar por acaso, aquilo que andei buscando a vida toda: o tesouro que eu chamo de “a tribo da alma”.
Uma tribo pequena, um pequeno tesouro indizivelmente valioso; pois o valor das coisas da alma não se mede por tamanho, quantidade ou peso.
A tribo da alma são essas pessoas que encontraram seu lugar na casa da minha alma. Alguns entraram de manso, passo à passo; outros sem cerimônia, sem avisar. Cada um chegou do seu jeito, no seu tempo, trazendo presentes. Roubando meus medos, rasgando minhas desconfianças, conversando com minhas incertezas.
Alguns são risonhos, outros tristonhos, mal humorados no mais das vezes. A saudação secreta dessa tribo são as confissões trocadas sem perguntar, oferecidas como singelos votos de confiança. São olhos da alma que vêem os segredos da outra e balançam a cabeça em silêncio, como quem diz “Sim, entendo”. E entendemos.
Depois que encontrei a tribo da minha alma, até mesmo as tristezas mais tristes têm outra cor. A solidão ainda ronda, mas ela tem medo dessa tribo. A solidão se esconde em armários antigos, nas mais recônditas gavetas, porque eles estão lá, iluminando meus pensamentos e abençoando minha existência. Graças.
Hoje estamos juntos, carregando cada qual alguns sonhos maltrapilhos, incontáveis histórias, decisões inquebrantáveis, amargos aprendizados, profundas decepções. Estamos juntos, tecendo alguns novos sonhos, apostando teimosamente em nossos projetos, fazendo planos, rindo para não chorar, rindo porque é o melhor remédio, rindo porque achamos graça. Mantendo vivo o entusiasmo pela vida, apesar dos pesares. Compartilhando descobertas, e cada vez mais espantados na descoberta de nós mesmos, espelhados na alma do outro.
Isso também vai passar um dia. E outras coisas virão, novas etapas, outras decepções, aquelas vitórias longamente esperadas.
Talvez nos separemos, mas o amor dado é para sempre. Depois que uma alma vê a outra, e se reconhece nela, cada uma será parte da outra por todo o sempre.
No futuro, quais lembranças teremos do momento que vivemos agora?
Vou lembrar de você para sempre. Não sei se você lembrará de mim, mas desconfio que sim; porque eu me dei por inteiro, dei aquilo de melhor que posso oferecer – um caixote de laranjas, os frutos daquilo que sou, meus sonhos, meu coração. Eu, nua na alma e nos ossos.
E porque você aceitou minhas humildes laranjas, é que vou lembrar de você para sempre. Porque você me acolheu em seu sorriso, me permitiu descansar ao pé de suas palavras, viu minha face escura e não voltou o rosto. Porque você não teve pena, mas compreensão. Porque você por vezes não foi capaz de entender minha loucura, mas me fez companhia mesmo assim. Porque você se atreve a sonhar comigo, celebrar comigo, chorar comigo.
E essas são as lembranças que me acompanharão, até o final do caminho.
Quero que terminemos o caminho juntos, porque o caminho se fez jornada quando nos encontramos. Se terminaremos esse caminho juntos não sei, o amanhã guarda seus segredos. O que sei é que mesmo que você não esteja lá, estará sempre comigo – carregando a luz que resgatou meus melhores sonhos, que iluminou minha solidão triste, que apagou a palavra “pária” de minha fronte.
Mas, acima de tudo, quero que terminemos o caminho juntos porque em você existe uma das melhores parte de mim mesma: aquela que ama você.
Acima de tudo.
Imagens: Reinante El Pintor de Fuego – Delphine